Leituras para conhecer as culturas e as lutas LGBTQIAP+

No mês em que se celebra o Dia do Orgulho, contamos as origens da data e apresentamos algumas publicações para adentrar de forma mais ampla nas discussões sobre as lutas e contribuições dessa comunidade para a sociedade brasileira 

O Dia do Orgulho é comemorado internacionalmente em 28 de junho, data que remete à rebelião do bar Stonewall Inn, em Nova York (EUA), em 1969, protagonizado majoritariamente por mulheres trans negras, drag queens, gays e lésbicas – pessoas já marginalizadas à época. Com a repercussão, foram realizadas, no ano seguinte, as primeiras manifestações públicas em prol dos direitos civis dessas populações, que conhecemos atualmente como comunidade LGBTQIAP+. 

No Brasil, as primeiras manifestações datam da década de 1980, organizadas na cidade de São Paulo e tendo como um de seus protagonistas o SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual, formado em 1978 na Universidade de São Paulo. Contudo, as primeiras Paradas do Orgulho só foram acontecer nos anos 1990, mais precisamente em 1995 nas cidades de Curitiba e Rio de Janeiro e, em 1997, na capital paulista – a Parada de São Paulo é considerada uma das maiores do mundo desde 2006. 

Nos últimos 50 anos, os movimentos sociais e políticos organizados ligados à comunidade LGBTQIAP+ alcançaram muitas conquistas em diversas áreas e nas três esferas do poder institucional (municipal, estadual e federal). Por outro lado, são direitos que ainda precisam ser coletivizados para toda a comunidade e ampliadas para todo o território nacional. 

A articulação e a incidência política dessas populações têm reverberado em muitas camadas da sociedade brasileira, com mais força nas últimas décadas, ultrapassando os limites das políticas públicas e atravessando as artes, a ciência, a educação, o esporte, a política e a saúde. 

Com o intuito de fazer circular as histórias, as escritas e as vivências de pessoas LGBTQIAP+, que tanto contribuem para a construção de um mundo mais diverso e equitativo, selecionamos algumas obras para iniciar as leituras nessa temática. Lembrando que é apenas um primeiro passo. Há muita coisa sendo feita por aí. 

1. Aurélia: a dicionária da língua afiada, de Angelo Vip e Fred Libi. Editora da Bispa, 2006.  

Aurélia é o resultado de um trabalho minucioso dos pesquisadores e artistas Fred Lib e Angelo Vip, com projeto gráfico da artista plástica Pinky Wainer. Nele são apresentadas diversas palavras e expressões do universo LGBT QIAP+ – é possível que você já tenha usado expressões como “uó”, “fazer a egípcia”, “azarar”, “bapho”, “isso é babado” –, principalmente do pajubá (que também pode ser chamado de bajubá, dependendo da região do país), essa forma de falar que surgiu entre a população LGBT no Brasil ao longo do século XX e que tem no iorubá sua principal fonte. 

O livro traz, além da classificação formal utilizada pelos dicionários convencionais (substantivos, adjetivos, advérbios etc.), a origem geográfica de vocábulos e expressões. Somados aos verbetes colhidos em todas as regiões do Brasil, os autores mostram também palavras de outros países que falam o português. O dicionário apresenta desde palavras do cotidiano dos sertões e veredas do Brasil ao falar particular das boates e clubes da noite paulistana. 

Este livro está disponível para consulta no Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa.  

2. Contra a moral e os bons costumes: A ditadura e a repressão à comunidade LGBT, de Renan Quinalha. Companhia das Letras, 2021. 

O livro Contra a moral e os bons costumes foi escrito pelo pesquisador, advogado e professor de direito, Renan Quinalha. Há pelo menos uma década, o autor se dedica a pesquisar e escrever sobre temas como justiça de transição e perseguições às sexualidades e corpos dissidentes na ditadura militar brasileira.  

Publicado pela editora Companhia das Letras em 2021, o livro é resultado de sua tese de doutorado no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo e tem como um dos objetivos demonstrar como a ditadura  do país era também um regime que impunha uma estrutura heteronormativa, por meio dos seus aparatos de repressão, como a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), censurando e impedindo que qualquer manifestação disruptiva de gênero e sexualidade se apresentasse no cenário cultural da época. Essa pesquisa se desdobrou em uma exposição que percorreu o Memorial da Resistência de São Paulo, em 2020, e o Museu da Diversidade Sexual, no ano seguinte. 

Renan ainda publicou, em parceria com o professor da Brown University James Naylor Green, Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade, resultado do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de 2013, além de outros títulos, sozinho ou em parceria com outros autores: Justiça de Transição: Contornos do Conceito (2013), História do Movimento LGBT no Brasil (2018), Movimento LGBTI+: Uma breve história do século XIX aos nossos dias (2022) e Novas fronteiras das histórias LGBTI+ no Brasil (2023). 

3. Crianças trans: infâncias possíveis, de Sofia Favero. Editora Devires, Coleção Saberes Trans, 2020. 

O livro, publicado pela Editora Devires em sua Coleção Saberes Trans, é resultado da dissertação de mestrado de Sofia Favero, mesclando elementos de uma autonarrativa sobre sua infância com uma profunda pesquisa teórica dos discursos referentes às infâncias trans. 

Ao humanizar o debate em torno de um grupo social carregado de estigma, Favero problematiza a existência de uma infância universal neutra para demonstrar a retórica presente no questionamento da existência das chamadas crianças trans. 

Psicóloga pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), mestra e doutoranda em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e cofundadora da Associação e Movimento Sergipano de Transexuais e Travestis (Amosertrans), Sofia Favero coordenou por três anos o cursinho pré-vestibular EducaTrans, em Aracaju (SE), e participou da construção anual da Semana da Visibilidade Trans da UFS. 

4. Devassos no Paraíso: a homossexualidade no Brasil, da Colônia à atualidade, de João Silvério Trevisan. Editora Objetiva, 2018. 

João Silvério Trevisan é um escritor, jornalista e dramaturgo brasileiro, nascido em Ribeirão Bonito (SP) em 1944. Ao longo das últimas décadas, consolidou-se como um dos principais defensores da causa LGBTQIAP+ no Brasil. Atuou na década de 1970 no Movimento Homossexual (termo utilizado na época), participou da criação do grupo SOMOS e ainda editou o jornal Lampião da Esquina entre os anos de 1978 e 1981. 

Como escritor, publicou uma série de peças e livros, como: Testamento de Jônatas deixado a David (1976), Em nome do desejo (1983), Ana em Veneza (1994), Seis balas num buraco só: A crise do masculino (1998), Pai, Pai (2017). Na década de 1980, por encomenda de uma editora inglesa, lançou Perverts in Paradise, livro que, após ser traduzido para o português, tornou-se sua principal obra, Devassos no Paraíso. Sua primeira edição foi publicada em 1986 e, após ser republicado nas décadas de 1990 e 2000, chegou à sua quarta edição em 2018 pela Editora Objetiva. 

O livro reúne uma série de fatos históricos sobre a população LGBTQIAP+, do período colonial ao tempo presente. Busca explicar o que é ser homossexual e brasileiro em um país de contradições e disputas, em relação à sexualidade, que estão postas de 1500 até os dias atuais. 

5. Não parecem sentir vergonha, organização de Bruno Oliveira e Laura Daviña. Selo Agrupamentos, 2022. 

A convite do Memorial da Resistência, o Acervo Bajubá ocupou o espaço do Centro de Referência daquela instituição para uma imersão no tema “Gênero e Ditadura” por aproximadamente seis meses. Com base na perspectiva de gênero, pesquisadores e pesquisadoras lançaram um olhar sobre o acervo do Memorial, além de documentos, revistas e catálogos.  

Não parecem sentir vergonha é fruto dessa parceria, que traz textos de Amara Moira, Bruna David, Flecha Lemes, Formigão, Dani Silva, W. Áshlyn Khaoz, Marcel C. Couto, Bia Varanis, gilbef e Florence Belladonna Travesti. Ao longo dos artigos do livro, percebe-se como pesquisar gênero no contexto de repressão e resistência no Brasil coloca mulheres e pessoas LGBTQIAP+ como sujeitas da história, e não só coadjuvantes na memória da resistência no Brasil – que ainda é muito masculina. 

O Acervo Bajubá é um projeto comunitário de registro de memórias das comunidades LGBTQIAP+ brasileiras. Além de reunir uma coleção de itens que relatam a diversidade sexual e a pluralidade de expressões e identidades de gênero no Brasil, o Bajubá colabora com exposições, capacitações e projetos de produção, mediação e circulação de narrativas sobre as histórias de pessoas LGBT+.  

A versão virtual pode ser acessada aqui. 

Este livro está disponível para consulta no Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa. 

6. O Brasil fora do armário: diversidade sexual, gênero e lutas sociais, de Leonardo Nogueira, Maysa Pereira e Rafael Toitio. Editora Expressão Popular, Fundação Rosa Luxemburgo, 2020. 

O livro, feito em parceria entre a Editora Expressão Popular e a Fundação Rosa Luxemburgo, contribui para a reflexão sobre os principais desafios enfrentados pelas mulheres e por pessoas LGBTQIAP+, suas conquistas e projetos de futuro quanto à construção e efetivação da igualdade de direitos. Os autores partem da recuperação histórica sobre sexualidade e gênero no mundo e no Brasil para, na sequência, situar, pela perspectiva dos movimentos sociais, alguns elementos centrais dessas lutas.  

Com essa panorâmica, o livro aponta para diversos caminhos de reconhecimento dessas pautas por grupos interessados no fim das desigualdades, superando a ideia de identitarismo. A obra mira qualificar o debate sobre gênero e sexualidade na luta geral pela emancipação humana, voltada para mulheres, pessoas LGBTQIAP+, pesquisadores, militantes populares, estudantes, professores e sociedade brasileira de forma geral. 

O livro está disponível gratuitamente em formato PDF no site da Fundação Rosa Luxemburgo, e pode ser acessado aqui. 

7. Pedagogia da desobediência: travestilizando a educação, de Thiffany Odara. Editora Devires, Coleção Saberes Trans, 2020. 

Thiffany Odara é pedagoga, especialista em gênero, raça, sexualidade e etnia e também mestranda em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mulher negra e yalorixá do Terreiro Oya Matamba, em Lauro de Freitas (BA). É a atual vice-presidente do Conselho de Mulheres e Conselheira do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial (CMPIR) na cidade. 

Em Pedagogia da desobediência, publicado pela Editora Devires em sua Coleção Saberes Trans, Thiffany reconhece e traz um importante relato sobre os saberes produzidos por travestis na cidade de Salvador, articulando suas tecnologias de sobrevivência em um diálogo interseccional com as feministas negras para pensar em uma educação travestilizada. 

Em sua pedagogia transgressora, a autora constrói e reivindica uma educação mais plural e humana para todas as pessoas em suas diferenças, que não aprofunde desigualdades. 

8. Poéticas de vida: escritas de si(da), coordenação de Leandro Noronha da Fonseca. Editora Monstra, 2021. 

A obra faz parte do projeto CADERNOS promovido pela Casa 1, por meio da editora Monstra, e busca apresentar histórias da população LGBTQIAP+. A editora é uma iniciativa da Casa 1, parceira do Museu da Língua Portuguesa, que tem como proposta documentar e circular histórias e pensamentos da população LGBTQIAP+. A Casa 1, por sua vez, é uma casa de acolhida, clínica social e centro cultural da população LGBTQIAP+ fundada em 2017 que acolhe jovens de 18 a 25 anos dessa comunidade que foram expulsos de suas residências. 

Com textos de Alan, Andrea P. Ferrara, Habriela Fonseca, Laura Daviña, Laura Ribeiro, Leandro Noronha da Fonseca, Marcos Tolentino, Rafa Roller, Rafuska Queiroz, Tiago Sales, Tiago Cesar, Victor Bebiano (Vibe), o livro Poéticas de vida traz uma série de histórias de pessoas LGBTQIAP+ que vivem com HIV e parte do conceito de escrevivências, cunhado pela pesquisadora Conceição Evaristo que aporta para uma produção literária de escritas de si. Traz como foco principal as vivências individuais dessas pessoas que têm em suas trajetórias a substância para as suas poesias. 

A versão virtual pode ser acessada aqui. 

Este livro está disponível para consulta no Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa. 

9. Prólogo, de Bruna G. Benevides, Ian Guimarães Habib e Sara Wagner York. Organização de Renata Carvalho. Editora Monstra, Coleção Traviarcado, 2021. 

Prólogo é o primeiro livro da coleção Traviarcado, que, como o próprio título já anuncia, aborda assuntos referentes às travestilidades e transexualidades. A proposta é suscitar o debate em suas pluralidades por meio de uma escrita acessível e didática, visibilizando a produção intelectual de pessoas trans e travestis e contribuindo com a construção de memória dessas populações. 

A obra é composta por três capítulos. O primeiro é “Trans na política, não é um fenômeno, é luta!”, de Bruna G. Benevides, sargenta da Marinha do Brasil e secretária de Articulação Política da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), que apresenta a história e o nascimento do movimento político da comunidade trans e travesti brasileira, a criação da ANTRA e as reivindicações dessas populações até as eleições de 2020. 

O segundo é “Transfantasmagoria: uma breve transarqueologia da (in)visibilidade transmasculina”, de Ian Guimarães Habib, bacharel em Teatro, mestre em Dança e doutorando em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), que resgata na história vestígios de vivências de homens trans e pessoas transmasculinas, seus apagamentos e invisibilidades. 

Sarah Wagner York, graduada em Letras-Inglês pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), Pedagogia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Letras Vernáculas pela UNESA, especialista em Gênero e Sexualidades (IMS/CLAM/UERJ), mestra em Educação (UERJ) e doutoranda em Formação de Professoras/es (UERJ) assina o terceiro e último capítulo, “A necapolítica: subversão e educação”, em que relata a experiência de ser uma pessoa trans/travesti na educação brasileira. 

A versão virtual pode ser acessada aqui. 

Este livro está disponível para consulta no Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa. 

Outras indicações 

O Acervo Bajubá, localizado no Grupo de Incentivo à Vida (GIV). Rua Capitão Cavalcanti, 145 – Vila Mariana, São Paulo/SP. 

O documentário São Paulo em Hi-Fi. Direção de Lufe Steffen. Disponível no Streaming Cultura em Casa da Secretária de Cultura e Economia Criativa de São Paulo. 

O filme Transversais (trailer oficial). Direção de Émerson Maranhão. Filme exibido no Museu da Língua Portuguesa na programação do Mês do Orgulho LGBTQIAP+ de 2023. 

A série Manhãs de Setembro (trailer oficial). Direção de Luís Pinheiro e Dainara Toffoli e atuação de Liniker, Thomás Aquino e Karine Teles. 

A peça teatral As 3 Uiaras de SP City. Dramaturgia de Ave Terrena, direção de Diego Moschko­vich, disponível aqui

A peça teatral Manifesto Transpofágico (teaser). Criação, dramaturgia e interpretação de Renata Carvalho e direção de Luiz Fernando Marques. 

As músicas do EP Traquejos Pentecostais para Matar o Senhor, de Ventura Profana. 

O Babel Podcast 15 – Pajubá

AUTORIA 

Cecilia Farias (pesquisadora no Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa) 

Leonardo Arouca (técnico em documentação no Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa) 

Uma Sorrequia (articuladora social no Museu da Língua Portuguesa) 

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