Leituras para pensar em língua e canção

Essa nossa canção, exposição do Museu da Língua Portuguesa inaugurada no mês de julho, mostra as conexões profundas entre a língua falada no Brasil e o fenômeno da canção popular brasileira. Convidamos os curadores Hermano Vianna e José Miguel Wisnik para indicar leituras a quem deseja se aprofundar nesse tema

Há uma vasta, diversa e criativa bibliografia sobre música no Brasil, tanto publicada em livros como em teses universitárias. O objetivo aqui não é dar conta dessa enorme produção, mas indicar obras que foram referências importantes no processo de criação da exposição Essa nossa canção. Todas apresentam mais especificamente a relação entre a canção popular brasileira e a língua portuguesa.  

1. Palavra cantada, diversos autores. 7Letras e EdUerj. 

Os Encontros da Palavra Cantada foram realizados em 2000, 2006 e 2011, apoiados por várias universidades cariocas, mas atraindo pensadoras e pensadores de todo o Brasil e de outros países. Foram eventos pioneiros, que tinham como objetivo promover estudos sobre a “interação entre as linguagens verbal, musical e vocoperformática”. Sua proposta era verdadeiramente transdisciplinar, reunindo saberes ligados a diferentes áreas de pesquisa, como Etnomusicologia, Literatura, Semiótica, Estudos da Voz, História e muitas outras.  

Temos a sorte de poder conhecer muitos dos trabalhos ali apresentados, e conversas ali iniciadas, que estão divididos em três livros: Ao encontro da palavra cantada: poesia, música e voz (7Letras, 2001); Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz (7Letras, 2008); e Palavra cantada: estudos transdisciplinares (EdUerj, 2014). Tratando da relação entre canção popular e língua, temos desde ensaio sobre a dificuldade de colocar letra em chorinho, até a análise das modinhas paulistanas dos anos 1920/30, passando pela noção de palavra cantada no Vietnã. 

 

2. A fugitiva: ensaios sobre música, de Lorenzo Mammi. Companhia das Letras, 2017. 

O livro de Lorenzo Mammi inclui textos de grande diversidade e brilhantismo: da reflexão sobre a música no pensamento de Santo Agostinho, passando pelas melodias juvenis de Debussy, às mais radicais aventuras da vanguarda da música erudita contemporânea.  

A obra tem início com uma pequena coleção de alguns dos ensaios mais perspicazes, e cheios das intuições mais inspiradoras, que tratam das múltiplas relações entre canção popular e língua no Brasil. Por exemplo: as duas (só isso!) páginas sobre Dorival Caymmi contêm o essencial sobre a obra do compositor baiano – autor de O vento, canção marcante na exposição Essa nossa canção. Outra influência importante para a exposição foi o ensaio A era do disco, publicado na revista piauí, com seus argumentos para sublinhar a intimidade entre tecnologia e formatos artísticos. 

3. Música popular: do gramofone ao rádio e TV, de José Ramos Tinhorão, 2014. 

A obra foi lançada inicialmente pela Editora Ática em 1981 e ganhou uma segunda edição em 2014, pela Editora 34, com revisão do autor, que incluiu algumas reflexões sobre música e internet. Mesmo quem discorda da interpretação radicalmente nacionalista da música popular brasileira, sempre defendida pelo autor, reconhece a extrema qualidade da pesquisa na qual está baseado o livro, com revelação de muitas fontes até então desconhecidas sobre a história da evolução da tecnologia musical em nosso país.

Tinhorão se valeu de seu faro de pesquisador e recolheu em centenas de livros, discos e periódicos testemunhos de época os registros inaugurais dessas novas tecnologias, bem como seu impacto transformador na cultura e no comportamento social. Foi um trabalho pioneiro sobre as relações entre a canção e suas materializações mercadológicas e, por isso mesmo, referência fundamental da linha do tempo que aparece na exposição Essa nossa canção. 

4. O século da canção, de Luiz Tatit. Ateliê Editorial, 2004.

Entre os diversos livros fundamentais que Luiz Tatit escreveu sobre canção, desenvolvendo uma teoria original sobre as relações entre música e letra, O século da canção nos interessa especialmente por aplicar as ideias do autor ao estudo da formação e do desenvolvimento da canção brasileira durante o século XX. O livro mostra, com riqueza de exemplos e análises, como se consolidou uma linguagem cancional que une o ritmo dançante, a coloquialidade entoativa e o alongamento vocal que imprime à canção qualidades emocionais e passionalizantes.

A obra toma o samba, em especial, como o gênero capaz de reunir em si esses três atributos, exponenciados nas modalidades do samba dançado, do samba de breque e do samba-canção. Tatit analisa a bossa nova como algo que submeteu a canção brasileira a processos de seleção e triagem, complementados pelo tropicalismo, que realiza processos de superposição e mistura.  

5. Lendo música 10 ensaios sobre 10 canções, organizado por Arthur Nestrovski. Publifolha, 2007.

Lendo música reúne dez intérpretes-críticos para comentar de forma aprofundada dez canções brasileiras de vários gêneros e épocas, e por isso o livro tem uma curiosa afinidade com a segunda sala da exposição Essa nossa canção, que reúne também dez composições interpretadas, nesse caso, por intérpretes-cantores. Quanto ao repertório, a única coincidência entre as duas séries é a música Diário de um detento (Mano Brown/Josemir Prado).  

O mais importante, tanto no livro como na exposição, é identificar a singularidade das canções como linguagem e pensá-las no momento e no contexto em que aparecem. Lendo música vai da análise de sambas (Ary Barroso, Cartola) ao funk (C-I-D-A-D-E-D-E-D-E-U-S) e ao rap (Racionais MC’s); vai de Tom Jobim ao “brega” (Amado Batista), e percorre várias canções de difícil classificação, compostas por Caetano Veloso, Adriana Calcanhotto, Luiz Tatit e Marcelo D2. 

Translate »
Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support