A língua portuguesa além dos limites do Brasil – Um artigo de Mariana Reis Souza

Os limites geográficos da chamada América Portuguesa foram sendo definidos e ampliados ano após ano já desde antes da chegada oficial dos exploradores lusitanos em 1500. O famoso Tratado de Tordesilhas, por exemplo, data de 1494.

Sendo linguisticamente diversificada, a colônia portuguesa viu o idioma da metrópole tornar-se oficial em suas terras somente no século XVIII, quando Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), Ministro de Estado do Rei José I (1750-1777) e futuro Marquês de Pombal, viu a necessidade da integração definitiva dos nativos para garantir a soberania do Estado Português sobre aquele território. Na ocasião, entre outras medidas, ele expulsou os padres jesuítas, proibiu a chamada “língua geral” e a escravidão indígena no Maranhão e incentivou a miscigenação entre portugueses e índios . No século XIX, a língua portuguesa já era predominante.

A partir dali, acordos e conflitos, antes e depois da independência de 1822, desenharam o mapa atual, onde vemos a República Federativa do Brasil composta por vinte e sete unidades federativas e cercada por dez países diferentes.

No Brasil independente, aquela língua, seguindo o rumo de seus falantes, não pôde respeitar as fronteiras territoriais e foi além, ampliando ainda mais o seu domínio. A título de exemplo, pode-se mencionar que, em 1903, quando o Acre, anteriormente território boliviano, foi anexado ao país, ali já havia uma expressiva colônia de milhares de brasileiros.

Mais tarde, em 1965, o estudioso uruguaio José Pedro Rona publicou seu surpreendente estudo sobre os “Dialetos Portugueses do Uruguai” . Tratava-se de uma faixa linguística transitória que ia do português rio-grandense ao castelhano uruguaio com influência lexical da língua portuguesa. Isso fora resultado dos fluxos migratórios luso-brasileiros que ocuparam o norte daquele país. Rona observou então que, na área central de tal “faixa”, as línguas encontravam-se tão mescladas que poderiam provocar dificuldades de comunicação com outros falantes que não dominassem ambos os idiomas.

Surpreendentemente, décadas mais tarde, o quadro desenhado por Rona seguiria atual, embora o sistema de ensino tenha organizado parcialmente o resultado. Em observações realizadas em 2011, constatou-se que em cidades fronteiriças citadas pelo estudioso, como Rio Branco, Aceguá e Rivera, por exemplo, era difícil encontrar um uruguaio que não falasse português também. Ali, onde as rádios e os canais da televisão brasileira dominavam a comunicação local, falava-se um português rio-grandense fluente e quase que sem sotaque castelhano. Em Isidoro Noblía, um minúsculo povoado pesquisado por Rona, e também na grande cidade de Rivera, ainda foi possível encontrar falantes da língua completamente mesclada. Contudo, constatou-se o estigma social que tal dialeto carregava. Falar aquele idioma mestiço era uma evidência da origem pobre e não alfabetizada do falante. Algumas pessoas inclusive envergonhavam-se de falá-la em público, mantendo-a guardada no seio familiar.

Hoje em dia, percorrer certas localidades fronteiriças ainda é, seguramente, uma experiência curiosa. Em muitas cidades, fica claro o domínio exercido pelo Brasil devido, provavelmente, à sua vantagem econômica. Exemplo disso é a cidade argentina de San Antonio, onde praticamente todos os argentinos podem falar português fluentemente enquanto que mesmo os brasileiros residentes há mais de 30 anos mal podem comunicar-se em “portunhol”. Ali, como em outras cidades vizinhas, os principais clientes do comércio local vêm do Brasil.

Na região norte, por sua vez, apesar de grande parte da fronteira ser tomada pela densa Floresta Amazônica, é possível encontrar lugarejos como Pacaraima, situada no estado de Roraima. Em viagem realizada no ano de 2014, era fácil encontrar venezuelanos e brasileiros que transitavam entre os dois países com frequência e tranquilidade. Porém, havia uma evidente disparidade linguística. Por um lado, nossos vizinhos, apesar do sotaque, eram capazes de falar português fluentemente, ainda que com as características do registro popular marcado pela deficiente concordância verbal e nominal. Claramente, tratava-se de um idioma “aprendido de ouvido” e não nos bancos escolares, embora muitas de suas crianças e adolescentes estudassem no Brasil. Por outro lado, os roraimenses raramente falavam espanhol de fato, ainda que alguns acreditassem que sim.

Já o Uruguai contemporâneo segue apresentando uma situação ímpar dentro desse quadro, já que, diferentemente do ocorrido na Argentina, e mesmo na Venezuela ou no Paraguai, não há sobreposição da língua portuguesa e o castelhano é falado pelos brasileiros com a mesma desenvoltura. Não é demais dizer que igualmente não existe sobreposição econômica.

Desse modo, ao debruçar-nos sobre o panorama aqui esboçado, deslumbra-se a evidente relevância dos fatores sociopolíticos e econômicos nas questões linguísticas. A determinação da importância ou da insignificância de um determinado registro ou da aprendizagem desta ou daquela língua tem sido definida não somente por motivos afetivos, mas especialmente por razões monetárias. Contudo, ao tornar-se consciente de tal processo, cada falante pode repensar sua atitude e retomar a direção de sua relação tanto com seu próprio idioma quanto com os idiomas estrangeiros.

 

Mariana Reis Souza

Graduada em línguas portuguesa e francesa pela Universidade de São Paulo, atuou por 5 anos como educadora do Museu da Língua Portuguesa e, atualmente, dedica-se ao ensino de português língua estrangeira.

 

REFERÊNCIAS

 

GARCIA, Elisa Frühauf. (2007). O projeto pombalino de imposição da língua portuguesa aos índios e a sua aplicação na América Meridional. Artigo acessado em 14 de dezembro de 2017.

ANDRADE, José H. Fischel DE & LIMOEIRO, Danilo. (2003). Rui Barbosa e a política externa brasileira: considerações sobre a Questão Acreana e o Tratado de Petrópolis (1903). Artigo publicado na Revista Brasileira de Política Internacional e acessado em 18 de dezembro de 2017.

RONA, Jose Pedro. (1965). El dialecto “fronterizo” del Norte del Uruguay. Montevideo: Adolfo LInardi.

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